Desde criança, sentia uma paz inexplicável em ambientes hospitalares. Era um chamado interno que, mais tarde, na faculdade de medicina, encontrou seu lugar nos Cuidados Paliativos, uma área que me tocou profundamente. Aprendi que cuidar de alguém em seus momentos mais vulneráveis é uma das maiores expressões de humanidade. E uma parte essencial desse cuidado é ter a coragem de iniciar conversas que muitos de nós evitam: as conversas sobre o fim da vida.

Falar sobre a morte ainda é um tabu. Associamos o tema à perda, à dor e ao medo. Mas adiar essa conversa pode nos roubar a oportunidade de viver nossos últimos momentos com a dignidade, o conforto e o respeito que todos merecemos. Este artigo não é sobre a morte, mas sobre a vida. É um convite para um diálogo baseado no acolhimento e no planejamento, um verdadeiro ato de cuidado para com nós mesmos e para com aqueles que amamos.

O Silêncio que Pesa: Por que Precisamos Falar Sobre Isso?

O silêncio em torno do fim da vida gera um ciclo de ansiedade e sofrimento. O paciente teme ser um fardo e não ter seus desejos respeitados. A família, por sua vez, teme tomar decisões erradas, carregando um peso de culpa e incerteza. Romper esse silêncio é a chave para transformar um processo de medo em uma jornada de conexão e respeito.

A Dignidade como Pilar do Cuidado

A missão que me guia é garantir um fim de vida digno e acolhedor. A dignidade, nesse contexto, significa ter seus valores, crenças e desejos ouvidos e respeitados.

Quando planejamos, estamos construindo ativamente as bases para que essa dignidade seja preservada.

O Medo do Desconhecido

Um dos maiores componentes do sofrimento no fim da vida é o medo do desconhecido. A incerteza sobre o que vai acontecer, como vai acontecer e que tipo de cuidado será recebido pode ser paralisante. Ter um plano claro, discutido e validado com a equipe de saúde e a família, funciona como um mapa que oferece segurança e tranquilidade, aliviando a carga emocional de todos os envolvidos.

O Papel da Psiquiatria nos Cuidados Paliativos

Muitas pessoas se perguntam qual o lugar da psiquiatria quando uma doença já não tem mais possibilidade de cura. Meu trabalho, nesse cenário, é focar na qualidade de vida e no bem-estar psíquico do paciente e de sua rede de apoio. Fui convidada a conhecer a psiquiatria para desconstruir meus próprios preconceitos e, após minha própria jornada, entendi que poderia contribuir de forma única e empática.

Minha atuação se concentra em:

Como Iniciar a Conversa: Um Guia Prático

Iniciar esse diálogo requer sensibilidade e o momento certo. Não precisa ser uma conversa única e formal, mas um processo contínuo de conexão.

  1. Escolha o Momento e o Lugar: Prefira um ambiente calmo e privado, onde não haja interrupções. Não force a conversa; espere por uma abertura natural ou crie uma gentilmente. “Tenho pensado muito sobre o futuro e gostaria de compartilhar algumas coisas com você, para que você saiba o que é importante para mim.”
  2. Comece pelos Valores, Não pelas Doenças: A conversa fica mais leve se começar com o que dá sentido à vida. Perguntas como “O que faz um dia ser bom para você?” ou “Quando você pensa no futuro, o que é mais importante para o seu conforto e paz?” abrem portas para um diálogo mais profundo.
  3. Conheça as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV): Também conhecido como testamento vital, este é um documento legal onde uma pessoa pode registrar quais tratamentos médicos deseja ou não receber caso fique incapacitada de expressar sua vontade. Ter uma DAV clara é um dos maiores presentes que você pode deixar para sua família, pois tira deles o peso da decisão.
  4. Defina um Procurador de Saúde: Escolha alguém de sua inteira confiança para ser seu porta-voz, a pessoa que garantirá que seus desejos sejam respeitados caso você não possa mais comunicá-los.
  5. Envolva a Equipe de Saúde: Compartilhe seus desejos e seu plano com seus médicos. Uma equipe multidisciplinar, que inclui a escuta e o suporte da psiquiatria, é fundamental para garantir um cuidado integrado e verdadeiramente centrado no paciente.

Falar sobre o fim é um ato de amor. É a prova final de cuidado que podemos oferecer àqueles que caminham ao nosso lado. É um processo que garante que, mesmo nos momentos mais difíceis, nossa história seja honrada, nossa voz seja ouvida e nossa jornada termine com a paz e o acolhimento que todos nós merecemos. Minha missão é estar ao seu lado para que você se sinta compreendido e seguro para ter essas conversas, construindo juntos um plano de cuidado que traga alívio e bem-estar.

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