Preciso fazer uma confissão. Antes de me aprofundar na área que hoje é minha paixão e profissão, eu mesma precisei desconstruir minha própria psicofobia inconsciente. Fui convidada pelo meu irmão, também psiquiatra, a conhecer a especialidade mais de perto, e foi nesse processo, aliado à minha própria jornada com terapia e medicação, que entendi a profundidade e a humanidade deste campo da medicina.

Sei que o medo e o preconceito que cercam a psiquiatria são reais. Eles são alimentados por décadas de desinformação, por representações caricatas na mídia e por um tabu social que insiste em tratar o sofrimento mental como uma falha de caráter, e não como uma condição de saúde.

Este artigo é um convite para uma conversa honesta. Um espaço para questionarmos juntos esses medos e para ressignificar o que realmente significa cuidar da nossa saúde mental.

As Raízes do Medo: De Onde Vem o Estigma?

O preconceito não nasce do nada. Ele tem raízes históricas profundas que moldaram a forma como a sociedade enxerga o sofrimento psíquico.

A Sombra dos Manicômios

A imagem dos antigos hospitais psiquiátricos, com seus tratamentos desumanos e o isolamento dos pacientes, deixou uma cicatriz duradoura no imaginário popular. Essa associação histórica entre “loucura” e exclusão criou uma barreira de medo que, infelizmente, ainda reverbera, mesmo que a prática atual não tenha absolutamente nenhuma semelhança com esse passado.

A Confusão entre Sofrimento e Fraqueza

Vivemos em uma cultura que muitas vezes interpreta a tristeza, a ansiedade e o desânimo como sinais de “falta de força de vontade” ou “falta de fé”. Essa visão equivocada coloca um peso imenso sobre quem está sofrendo, que, além de lidar com sua condição, ainda se sente culpado por não conseguir “simplesmente superar”.

O Psiquiatra Hoje: Um Médico da Pessoa Inteira

É fundamental entender que a psiquiatria moderna é, antes de tudo, uma especialidade médica. Assim como um cardiologista cuida do coração e um endocrinologista cuida dos hormônios, o psiquiatra é o médico que se especializou no órgão mais complexo do corpo humano: o cérebro.

Meu foco é a Psiquiatria Geral do Adulto, e meu trabalho consiste em:

• Ouvir com atenção: A base de tudo é uma minuciosa história clínica. Dedico tempo para entender a jornada do paciente, suas dores, seus medos e seu contexto de vida.
• Realizar um diagnóstico preciso: Assim como em qualquer outra área da medicina, o objetivo é entender o que está acontecendo biologicamente para propor o tratamento mais eficaz.
• Oferecer suporte em momentos de crise: Seja no acompanhamento de pacientes com obesidade , na jornada de cuidados paliativos ou no tratamento de transtornos de humor e ansiedade, meu papel é ser um pilar de suporte técnico e humano.
• Restaurar o equilíbrio: O objetivo final é ajudar o paciente a reencontrar seu bem-estar e sua funcionalidade, tratando as bases neuroquímicas do sofrimento.

Quebrando Mitos Comuns: “Mas Psiquiatra só…”

O preconceito se alimenta de mitos. Vamos desconstruir alguns dos mais comuns?

1. Mito 1: “Remédio psiquiátrico vicia e vai me dopar.” A verdade é que os psicofármacos modernos são seguros e desenvolvidos para atuar em alvos específicos no cérebro. Quando indicados e acompanhados por um profissional, o risco de dependência é baixo. O objetivo nunca é “dopar” ou “mudar a personalidade” de alguém, mas sim tratar os sintomas que impedem a pessoa de ser ela mesma. É como colocar o trem de volta nos trilhos para que ele possa seguir sua viagem.
2. Mito 2: “Se eu começar a tratar, será para o resto da vida.” Isso é falso. A duração do tratamento varia enormemente. Para algumas condições, como um episódio depressivo ou de ansiedade pontual, o tratamento pode ter início, meio e fim. Em outros casos, de doenças crônicas, o tratamento pode ser mais longo, assim como é para diabetes ou hipertensão. Cada jornada é única.
3. Mito 3: “É só conversar. Terapia resolve tudo.” A psicoterapia é uma ferramenta poderosíssima e essencial. No entanto, em muitos transtornos mentais, há um desequilíbrio químico que a conversa, por si só, não consegue reorganizar. O cenário ideal, muitas vezes, é a combinação dos dois. Costumo dizer que a psiquiatria cuida do “hardware” (a química cerebral) e a psicologia do “software” (os pensamentos, comportamentos e emoções). Elas são aliadas, não concorrentes.

Buscar ajuda psiquiátrica não é um atestado de fraqueza ou de “loucura”. É um ato de coragem, de autoconhecimento e de profundo autocuidado. É reconhecer que sua dor é legítima e merece ser tratada com a mesma seriedade que qualquer outra condição de saúde.

Por ter estado do outro lado, entendo o receio. Minha missão é transformar o consultório em um espaço de acolhimento e confiança , onde a escuta empática é a base de todo o cuidado. Você não precisa carregar esse peso sozinho.